A trajetória do piedadense Gustavo, 10 anos, prova que é possível ter esperança de cura até de um tipo raro de leucemia; e mostra que a solidariedade da população e a dedicação de ONGs e profissionais de saúde podem salvar vidas
Por Paulo Andrade
No último dia 12 de janeiro, quando completou 31 anos de idade, Renata Fernandes de Lima, ganhou o presente que desejava desesperadamente desde 2008: a possibilidade concreta de seu filho Gustavo Fernando de Lima, 10 anos, curar-se de um tipo raro de leucemia. Nessa data, o garoto, morador de Piedade-SP, passou por um bem-sucedido transplante de medula no hospital Fundação Amaral Carvalho, em Jaú.
No final de janeiro, quando foi feito o primeiro contato desta reportagem, Gustavo estava internado no setor de isolamento do hospital, acompanhado pela mãe, passando pela fase de adaptação da nova medula ao organismo. Renata estava otimista. “Ele é magrinho, mas é superresistente. Já enfrentou e venceu muitas batalhas nos últimos anos. As vezes ele é quem dá ânimo e conforto para a gente, e não o contrário”, emociona-se.
No final de fevereiro, após 44 dias de isolamento, Gustavo teve alta do hospital e se transferiu com a mãe para um alojamento em Jaú. Todos os dias o menino passa as manhãs no hospital sendo medicado e fazendo exames. Como é normal no caso de transplante, esse acompanhamento médico diário pode durar meses.
Mas o prognóstico é promissor. Dia 1º de março Gustavo estava em franca recuperação, alimentando-se bem e divertindo-se com seu videogame. Sua principal reclamação, segundo a mãe, é não poder ainda brincar em espaços públicos, pois ele não pode correr risco de contrair vírus ou bactérias.
Dois cancelamentos
Antes de encontrar uma medula compatível, Gustavo teve que superar muitas dificuldades, físicas e emocionais. Por duas vezes, em 2010, a família recebeu notícias de haviam sido localizadas medulas compatíveis. Mas as expectativas foram frustradas.
Na primeira vez, em março, o órgão doado vinha da Europa e chegou ao Brasil com células mortas, devido a problemas no transporte. Já em dezembro, após segunda análise de uma medula para Gustavo, descobriu-se que o número de células era insuficiente.
Gripe suína
Em meados de 2010, a família já havia passado por outro momento de angústia. Gustavo contraiu o vírus H1N1, conhecido como gripe suína. A doença apareceu na mesma época em que ele fazia tratamento à base de quimioterapia na Santa Casa de Sorocaba.
Havia o agravante da imunidade baixa do organismo e Gustavo passou semanas respirando por aparelhos. Curado da H1N1, Gustavo mais uma vez provou para a mãe que é um guerreiro, ao comentar: “Agora que eu sobrevivi à gripe suína, tiro o transplante de letra”.
Após confirmar o transplante, no início de janeiro de 2011, Gustavo teve, novamente, que ser forte e corajoso. Durante uma semana ele passou por seis sessões de radioterapia e outras tantas de quimioterapia. O objetivo era eliminar todas as células de sua medula antes de receber uma nova, proveniente do cordão umbilical de um bebê paulista.
Feito o transplante, Gustavo retrocedeu à imunidade de um recém-nascido e terá que receber novamente todas as vacinas que as crianças tomam antes dos 10 anos de idade.
“Por que isso comigo?”
Poucos dias após o transplante, outro susto. Gustavo teve febre, inchaço e manchas pelo corpo. Os médicos cogitaram rejeição à medula. Mas descobriu-se que era alergia a um antibiótico. A medicação foi trocada e os sintomas desapareceram. Durante esse episódio o imbatível menino demonstrou cansaço, e repetiu para Renata uma pergunta desconcertante que poucas vezes fez nos últimos anos: “Ah, mãe! Por que aconteceu isso comigo?”.
Mas o desânimo durou pouco. Dia 21 de janeiro, no seu aniversário de 10 anos, Gustavo já fazia planos para quando tivesse alta (a previsão é de 3 meses para recuperação) e recebeu parabéns e cartazes em sua homenagem, elaborados pela equipe do hospital.
Recuperação
Como a medula provém de um cordão umbilical, o processo de assimilação pelo organismo é mais demorado do que quando o doador é adulto. Mas a recuperação de Gustavo tem sido precoce. “Os leucócitos (células sanguíneas responsáveis pela produção de anticorpos) apareceram menos de 15 dias após o transplante e o médico disse que isso é bom sinal. Hoje a taxa está em 200”, contou Renata no final de janeiro.
Segundo os médicos, a partir de 1.000 a taxa de leucócitos é considerada segura. Significa que a nova medula foi assimilada pelo organismo do paciente. No final de fevereiro, a taxa de leucócitos em Gustavo estava em 4.000. Em resumo: o jovem piedadense já pode se declarar vencedor dessa guerra pela sua saúde e seu futuro.
Família vive com salário mínimo e espera ajuda do governo
Gustavo mora com a mãe e os dois irmãos no bairro Butuca, na periferia de Piedade. A mãe, Renata (foto), teve que parar de trabalhar para cuidar do garoto. A família vive basicamente com um salário mínimo que o garoto recebe de pensão do governo federal, além de auxílio de parentes, como os avós maternos do menino. Renata é divorciada e, segundo ela, o pai de Gustavo não dá ajuda financeira.
Mesmo agradecida pela solidariedade da população, a mãe de Gustavo conta que a família as vezes se sente acanhada com a caridade. “Gostaríamos é que o governo municipal nos ajudasse, pois muitas despesas que temos é porque não há tratamento na cidade”.
Prefeitura
Procurada pela reportagem, a prefeitura garantiu que vai pagar alojamento para Gustavo e a mãe em Jaú pelo tempo que for necessário. Mesmo após receber alta médica, o garoto terá que ficar ao menos um mês na cidade para ser monitorado pelo hospital.
“Além do alojamento, assim que Gustavo estiver de volta à Piedade, o município vai garantir quantas viagens forem necessárias para o tratamento dele em Sorocaba (30 km de Piedade) ou em Jaú (268 km)”, afirma o diretor municipal de Saúde, Francisco Vieira Filho, o Xixo.
Ainda de acordo com Xixo, o transporte será adequado às necessidades do menino, que não pode correr risco de contrair doenças até que seu sistema imunológico esteja recuperado.
Renata confirma que a prefeitura começou a pagar o alojamento em Jau assim que o menino teve alta. Mas as refeições de mãe e filho são custeadas pela própria família. Ela também reclama que se inscreveu para o Bolsa-Família várias vezes, mas nunca foi contemplada. “O pessoal da prefeitura diz que é porque a renda dos meus pais está incluída na minha renda familiar”.
Apoio popular
A luta do menino Gustavo comoveu e mobilizou milhares de pessoas em Piedade e outras cidades da região. Somente um mutirão de testes para doação de medula, realizado em julho de 2008, no “campão”, em Piedade, reuniu mais de 2.500 pessoas.
Na época, o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba passou a divulgar o caso no informativo semanal Folha Metalúrgica, além de incentivar outros órgãos de comunicação a fazerem o mesmo.
Tipo raro de leucemia
O garoto Gustavo, de Piedade, teve leucemia mielóide crônica (LMC), que, segundo o diretor técnico do Gpaci, Gustavo Ribeiro Neves (foto), representa de 1% a 2% dos casos de leucemia na infância no Brasil.
Por ano, são registrados menos de 50 casos de LMC infantil no país. Nos últimos 10 anos, o Gpaci atendeu apenas dois casos, incluindo o de Gustavo.
A outra criança atendida recebeu o transplante de medula anos atrás e hoje está curada. Mas Neves ressalta que o acompanhamento médico após o transplante dura anos. “Em 40% dos casos a doença pode reaparecer, principalmente quando o doador não é aparentado. Por isso é necessário que o paciente seja monitorado por 5 a 10 anos após o transplante”, explica o médico, especialista em oncohematologia pediátrica.
Na foto, Gustavo aos 7 anos de idade
A doença de Gustavo foi constatada durante um exame de rotina em dezembro de 2007, quando foi verificada uma alteração no sistema imunológico. Ao descobrir que se tratava de leucemia, a Santa Casa de Piedade encaminhou o menino ao Gpaci (Grupo de Pesquisa e Assistência ao Câncer Infantil) de Sorocaba.
O pai, a mãe, irmãos e tios não eram doadores compatíveis. Segundo a ONG Asa Morena, essa incompatibilidade entre parentes é normal. Acontece em 75% dos casos. Por isso, Gustavo passou anos à espera de um doador cadastrado em bancos de medula do Brasil e do exterior.
Para se cadastrar como doador
Qualquer pessoa com boa saúde e idade entre 18 e 55 anos, pode doar medula óssea.
No ato do cadastramento, o voluntário terá coletado apenas 05 ml de sangue, que serão usados para um exame de tipo genético (HLA). Caso algum paciente na fila de espera possua código genético semelhante, o voluntário será contatado para a doação.
Sorocaba tem centro de cadastramento
Desde agosto de 2009, o Hemonúcleo de Sorocaba é um centro permanente de cadastramento de doadores de medula óssea.
O Hemonúcleo faz a coleta e envia o sangue para a Unicamp, onde é feito o exame de compatibilidade genética. O cadastro é incluído no Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea).
O centro de cadastramento em Sorocaba foi resultado de uma parceria da ONG Asa Morena com o deputado estadual Hamilton Pereira (PT), que convenceram o governo de São Paulo a instalar o serviço.
Serviço
Gpaci – Grupo de Pesquisa e Assistência ao Câncer Infantil
R. Antônio Miguel Pereira, 45
Jd. Faculdade – Sorocaba – SP
Tel (15) 2101-6555
www.gpaci.org.com.br
Centro de Cadastramento de Doadores
Hemonúcleo Regional de Sorocaba
Horário: 7h30 às 12h30, de segunda a sábado
Av Pereira Inácio, n° 564 / Sorocaba.
Asa Morena
www.asamorena.org.br
Fonte: Reportagem da Revista Ponto de Fusão, dos metalúrgicos de Sorocaba e Região, edição nº 2, lançada em março 2011
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