Os deputados da bancada ruralista, maioria na Comissão Especial constituída para analisar os 27 projetos de Lei que visam facilitar ainda mais as regras para registro, fabricação, venda e utilização dos agrotóxicos, elevando as vendas no país que é o maior consumidor mundial – o chamado “Pacote do Veneno – seguem firmes na defesa dos compromissos assumidos com os fabricantes do setor. Irredutíveis nas reuniões desta terça e quarta (8 e 9), fizeram de tudo para impedir acordos propostos por parlamentares contrários aos projetos, como a realização de audiências públicas, com participação da população e entidades. Na próxima terça-feira (15), a Comissão volta a debater, pela última vez, o substitutivo apresentado pelo relator, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), da bancada ruralista, totalmente favorável aos projetos. A votação deve acontecer no dia seguinte.
Integrantes da Comissão, os deputados da oposição Alessandro Molon (PSB-RJ), Ivan Valente (Psol-SP), Nilton Tatto (PT-SP) e Elvino José Bohn Gass (PT-RS) tentaram aprovar requerimentos para a participação de representantes de setores da saúde e meio ambiente para trazer mais esclarecimentos aos deputados que ainda tenham dúvidas. Entre elas, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ambos vinculados ao Ministério da Saúde, e Ibama, do Ministério do Meio Ambiente.
No entanto, a presidenta da Comissão, a deputada Tereza Cristina (PSB-MS), integrante da bancada ruralista, negou. Com apoio do relator Luiz Nishimori e outros colegas de bancada, alegou que a participação não está prevista no regimento da Comissão.
Molon, uma das vozes mais firmes contra o pacote, destacou que, ao contrário, não há no regimento nada que impeça a participação desses especialistas em reunião ordinária. O argumento levou o relator à artimanha de receber os representantes dos setores em reunião separada, fora da agenda. E para ganhar tempo, disse que a partir desse encontro, no gabinete, poderia vir a fazer mudanças em seu relatório.
O que a oposição defende – e os ruralistas evitam – é mais debate em torno de um tema polêmico que divide até mesmo setores do governo. Desde que o Pacote começou a ganhar velocidade na tramitação, mais de 100 entidades se manifestaram contra as mudanças – para pior – na atual lei dos agrotóxicos (Lei 7.802/89). É o caso do Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos e Transgênicos, Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ministério Público Federal (MPF), Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (Aprodab) entre outras.
Todas elas defendem o apoio a propostas de redução do uso até que os agrotóxicos sejam banidos, em processo gradual como já acontece em muitos países. E incentivos à transição para a chamada agroecologia. O modelo vai além da produção de alimentos orgânicos, livres de veneno, e engloba a reforma agrária para que mais famílias possam produzir alimentos para atender a toda a demanda – e não apenas uma elite que pode pagar mais caro por eles.
O deputado Nilto Tatto, que entregou à Tereza Cristina as 100 mil assinaturas contra a aprovação do pacote, coletadas por meio da plataforma #ChegaDeAgrotóxicos, destacou que as mudanças na atual lei só atendem aos interesses das indústrias de agrotóxicos, que estão entre os sustentadores da bancada ruralista. “Flexibilizar ainda mais as regras dos agrotóxicos não interessa à sociedade, que vai ficar ainda mais exposta aos agrotóxicos, com riscos ainda maiores que os atuais de doenças, como intoxicações, câncer e malformações, entre outras, ao país, que terá mais gastos com saúde e nem à agricultura brasileira. Países estrangeiros, que importam do Brasil, estão aumentando as restrições a agrotóxicos”, disse à reportagem.
Na sessão, ele questionou os reais interesses da maioria da Comissão, formada por ruralistas que se dizem preocupados com o desenvolvimento da agricultura nacional, que sofreria retrocessos. E destacou os benefícios que o setor de agroquímicos já usufrui no país, como incentivos fiscais, quando deveria pagar pelos prejuízos que traz à saúde pública e meio ambiente. Estimativas indicam que, por baixo, o país deixa de arrecadar todo ano R$ 1,3 bilhão, recurso que poderia ser utilizado em pesquisa e incentivo à transição agroecológica.
Fazendo uma análise das perdas dos trabalhadores com a reforma trabalhista, que passou a permitir que mulheres grávidas trabalhem em ambientes insalubres, com a pretendida reforma na lei dos agrotóxicos, o deputado Bohn Gass, de família de agricultores, questionou: “Como ficarão agora essas gestantes, podendo aplicar mais e mais venenos nas lavouras?”
Em pesquisas realizadas em diversos municípios, o professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) encontrou agrotóxicos até no leite materno. Outras pesquisas mostram que esses produtos atravessam a placenta e prejudicam o desenvolvimento do feto. Não é à toa que pesquisas, como aquelas feitas pela Universidade Federal do Ceará em áreas de pulverização aérea no estado, apontem crescimento no número de casos de malformações congênitas. Dado semelhante ocorre no interior do estado de São Paulo, de domínio da produção canavieira, conforme o Fórum Paulista de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos e Transgênicos.
Autor de projeto de lei que obriga informações nos rótulos de alimentos sobre agrotóxicos utilizados em sua produção, o deputado Ivan Valente defendeu a mobilização da sociedade como única maneira de impedir a aprovação do pacote conduzida com velocidade pela numerosa e poderosa bancada ruralista. “A única chance que temos de barrar o PL do Veneno é a mobilização popular. O descalabro do aumento do uso de agrotóxicos na alimentação do brasileiro é um projeto que só visa o lucro dos grandes latifundiários e dos ruralistas do Congresso. Não podemos permitir a aprovação em detrimento da nossa saúde”, destacou.