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Pioneirismo marca atividade metalúrgica na região

Talvez muitos moradores não saibam, inclusive metalúrgicos, mas a região de Sorocaba é o berço da metalurgia no continente

Paulo Rogério Leite de Andrade (Coordenador do Departamento de Comunicação do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região)

Talvez muitos moradores não saibam, inclusive metalúrgicos, mas a região de Sorocaba é o berço da metalurgia no continente. Em 1589, os Afonso Sardinha, pai e filho, estiveram no morro de Araçoiaba (hoje morro Ipanema, em Iperó) na esperança de achar principalmente ouro. Acabaram por encontrar jazidas de magnetita. Para processar o minério eles instalaram duas forjas rústicas, do tipo catalãs.

Localizados em pleno morro, às margens do Rio das Furnas (depois Ribeirão do Ferro), cada forja tinha a capacidade para, com 320 quilos de minério e 450 de carvão de madeira, após sete horas de trabalho, produzir cerca de 100 quilos de ferro. O minério não chegava à fase líquida. Ao tornar-se maleável, escorria pelo carvão em brasa até o fundo do forno.

Sob forma esponjosa, era transferido para as forjas para depuração. O ferro era produzido pelo método de redução.

Pode-se imaginar o valor desse empreendimento numa época, menos de cem anos após o descobrimento do Brasil, quando todo artefato de metal, inclusive utensílios domésticos, facas, ferramentas e peças para montaria tinham que ser trazidos de Portugal.

A cidade de São Paulo contava então com cerca de dois mil habitantes.

Os trabalhadores dessa fundição pioneira fundaram no morro a vila de Nossa Senhora de Monte Serrat. Com a desativação da fábrica, no início do século XVII, esses trabalhadores se deslocaram para a região onde atualmente é a Zona Norte de Sorocaba. Nesse local, fundaram a Vila de Nossa Senhora de Itapevuçu (mais tarde, Itavuvu), onde até hoje existe o pelourinho, símbolo do reconhecimento da vila pelo Império Português.

É interessante registrar também que Araçoiaba significa “esconderijo do sol”, na língua dos índios Tupiniquins, que habitavam a região. Esse é o significado também da montanha Machu Picchu, no Peru. A partir daí, alguns historiadores consideram a hipótese de ter havido contato entre os índios brasileiros e o povo Inca.

Após a iniciativa pioneira dos Sardinha, outras se sucederam no morro Araçoiaba, como os fornos rústicos de Domingos Pereira Ferreira, construídos em 1776 para produzir ferro gusa.

As ruínas das duas fundições no morro foram encontradas pelo historiador José Monteiro Salazar, em 1977.

Voltando ao período colonial, em 1785, D.Maria I, a Louca, proíbe a produção de ferro no Brasil colônia. O objetivo era impedir a concorrência com os produtos portugueses. A proibição só foi revogada em 1795, por Luiz Pinto de Souza.

Em 1808, já com D. João VI no trono, a Corte transfere-se para o Brasil para fugir do exército de Napoleão. Logo em seguida, D. João pede para especialistas em siderurgia projetarem uma grande indústria de fundição para o Brasil. Os principais engenheiros envolvidos no projeto eram o alemão Luiz Guilherme de Varnhagem e o sueco Carlos Gustavo Hedberg.

Em 1810, por carta régia, D. João cria a Companhia Montanística das Minas Gerais de Sorocaba, depois rebatizada como Fábrica de Ferro de São João do Ipanema.

Para surpresa de muitos na corte, D. João deu o comando da fábrica para Hedberg, e não para Varnhagem, tido como seu especialista de confiança.

As poucas dezenas de trabalhadores sob comando do sueco – cerca de 14 estrangeiros assalariados e muitos escravos – construíram no local a primeira represa e a primeira roda d’água do País, e também uma rede de canais para obtenção de força hidráulica. Mas o projeto da fábrica em si não foi bem sucedido.

Hedberg optou por construir quatro pequenos fornos, chamados de azuis, que pouco avanço representavam em relação aos antigos fornos catalães. Projetada para produzir 588 toneladas anuais, a fábrica obteve, em dois anos de funcionamento, 1813 e 1814, uma produção total de apenas 14,7 toneladas. Os quatro fornos azuis, juntos, não conseguiam produzir mais do que 2 toneladas de barras de ferro por semana.

Ainda em 1814, Varnhagem assume o comando da fábrica, constrói dois altos fornos e mantém a estrutura e as fundições implantadas pelo seu antecessor. Em 1º de novembro de 1818, o engenheiro alemão realiza, pela primeira vez, em território paulista, uma corrida de ferro em estado líquido. Como comemoração, funde as três grandes cruzes. Uma delas pode ser vista no alto do morro, outra ao lado do museu do parque “Quinzinho de Barros” e outra na vila de São João de Ipanema, no sopé do morro.

É no local que hoje se chama Fazenda Ipanema (município de Iperó) que nasceu o filho do administrador da fábrica, Francisco Adolfo de Varnhagem, conhecido como Viscode de Porto Seguro, que se tornou historiador e é considerado o “Pai da História” no Brasil.

Após a administração de Varnhagem, em 1835, o major engenheiro João Blóem é nomeado diretor da fábrica, que foi demitido em 1842 devido ao seu envolvimento com a Revolução Liberal. Foi durante a revolução que Blóem mandou produzir três canhões utilizados pelos liberais. Dois deles hoje fazem parte de um monumento na praça Arthur Fajardo, em Sorocaba. O terceiro está exposto no museu do Ipiranga, em São Paulo.

Seguem-se anos de poucas atividades da fábrica. Mas em 1865 o coronel Joaquim Mursa assume o comando da empresa, constrói mais fornos e passa a fabricar armas para a Guerra do Paraguai. É desse período a construção da Fábrica de Armas Brancas, uma das edificações mais imponentes do local. Os operários comandados por Mursa também constróem uma estrada de ferro para transportar minério, iniciativa pioneira para a época.

Mais tarde, essa linha férrea deu início à ligação por trem entre a Fábrica de Ferro e São Paulo, através de Sorocaba e São Roque.

Ao longo do século XIX, a Fábrica de Ferro de Ipanema produziu pregos, martelos, arames, arados, vasos, as citadas cruzes, sinos, escadas e gradis, atendendo as mais diversas encomendas.

Metalúrgicos escravos e assalariados (estrangeiros e brasileiros) dedicaram seus esforços nas produções pioneiras; e muitos deles foram responsáveis pelo povoamento de cidades da região. Há registros históricos de que escravos elaboraram, no Brasil colônia e no Brasil império, pauta de reivindicações, com a ajuda de funcionários estrangeiros. Essas pautas continham itens como maior quantidade de tecidos (reclamavam que estavam andando em trapos, quase nus), maiores cotas de toucinho, farinha e outros alimentos e reformas na cobertura das senzalas (sofriam com a chuvas e adoeciam).

Em 1895, já sob o governo republicano, a fábrica encerrou de vez suas atividades.

Para saber mais

Visitas à fazenda

de terça feira a domingo.Horário: 8h00 às 17h00.

Tel. (15) 3266-9090

Ingresso: R$ 3,00

Livro

SALAZAR, Jose Monteiro; O esconderijo do sol – a historia da fazenda Ipanema, desde a primeira forja do Brasil até a Real Fabrica de Ferro. Brasilia: MA, 1982.

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