A Confederação Nacional da Indústria (CNI), a pretexto de tornar as empresas brasileiras mais competitivas, quer repassar para a sociedade o gasto com garantias trabalhistas mínimas que hoje competem aos empresários, diminuir o poder da Justiça do Trabalho por meio de desregulamentação das leis que garantem direitos como descanso aos domingos, jornadas de trabalho definidas por lei, licença-maternidade, restrições ao trabalho noturno, multas rescisórias e outros.
Uma cartilha da CNI, intitulada 101 Propostas para Modernização Trabalhista apresenta como “irracionalidades” garantias mínimas para os trabalhadores brasileiros ou compensações adotadas em decorrências de perdas com mudanças na legislação ou com planos econômicos.
Segundo a CNI, as propostas serão lançadas no 7º Encontro Nacional da Indústria (ENAI), que será aberto hoje (5) , em Brasília, com a presença de “cerca de 1,5 mil dirigentes empresariais para discutir o futuro da indústria.” A presidenta Dilma Rousseff estará na abertura do encontro.
Sem direitos
A primeira “irracionalidade” apontada pelos industriais é a prevalência do Poder Judiciário sobre convenções e acordos coletivos firmados entre empresas e sindicatos ou trabalhadores. Para a confederação, a invalidação de acordos por parte da Justiça causa insegurança para as empresas.
A CNI também sugere, por exemplo, a transferência para o sistema previdenciário de gastos com pagamento de metade do salários devidos a funcionários que são ex-presidiários. Também quer a isenção da contribuição previdenciária durante a licença-maternidade e a transferência para o INSS de todos os outros encargos que são cobrados neste caso, como FGTS e pagamento proporcional de férias e 13º salário.
A reportagem ouviu de fontes ligadas ao Dieese, em análise preliminar do documento – na qual a confederação alega pretender “preservar a discussão sobre proteção e os direitos trabalhistas” – que em todas as propostas o que se vê é o contrário, um ataque, algo como um capitalismo sem risco e sem custos.
Segundo análise do Dieese, a maioria dos trabalhadores brasileiros não dispõe de estrutura sindical suficientemente organizada, nem organização que os represente nos locais de trabalho e consiga negociar em equilíbrio com as empresas. Os setores menos organizados estariam sujeitos à imposição de acordos coletivos desfavoráveis e teriam como principais mecanismos de proteção os direitos mínimos garantidos por lei e o recurso à a Justiça.
Outra medida proposta pela CNI é fixar em no máximo quatro anos a validade das convenções e acordos coletivos e que as cláusulas convencionais não integrem o contrato de trabalho. De acordo com avaliação do Dieese, por essa proposta, caso não haja ou expire um acordo entre determinada empresa e seus funcionários, os patrões podem deixar de cumprir o que eram obrigados e colocar os trabalhadores em situação de risco em relação às garantias mínimas de ganhos e condições de trabalho.
A cartilha anti-irracionalidades da confederação empresarial também sugere regulamentar jornadas de trabalho de até 12 horas diárias com compensação semanal ou mensal e intervalo legal mínimo entre as jornadas. Segundo o documento, a proposta tem como objetivo adequar as jornadas de trabalho às reais necessidades da empresa, com segurança jurídica. Na análise extra-oficial do Dieese, a proposta iguala trabalhadores a máquinas e não leva em conta o desgaste e a maior exposição aos riscos de ocorrência de acidentes.
A garantia do domingo como repouso semanal remunerado e as folgas nos dias de feriado são igualmente irracionais, de acordo com a proposta. O empresariado alega que essa restrição tem impacto na produção e na competitividade das empresas. Previsto na legislação trabalhista brasileira desde 1949, o descanso remunerado só pode ser alterado permanentemente do domingo para outro dia da semana em algumas categorias.
Outra medida polêmica apresentada pela confederação é a permissão de terceirização de qualquer atividade. Atualmente, a interpretação corrente do movimento sindical e de boa parte dos juristas é de que é vetada a terceirização das consideradas atividades “fim”.
Alegando “prejuízos irreparáveis” à imagem e o risco de ter restrições a empréstimos na rede bancária para empresas que vão parar na “lista suja” do trabalho escravo no Ministério do Trabalho, a CNI propõe também que sejam definidos critérios legais “adequados” para caracterizar trabalho escravo.
A modernização trabalhista imaginada pela entidade patronal prevê ainda a criação de um “fundo antidesemprego”, nos moldes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), mas custeado pelos trabalhadores. A proposta é que o fundo seja usado em época de crise e pague uma parte do trabalho, entre 60% e 70% do salário, e que os trabalhadores estejam sujeitos a oportunidades de treinamento e prestação de serviços públicos, “uma vez que estarão recebendo sem a efetiva contraprestação efetiva do trabalho”.