Na noite de quarta-feira 23, enquanto a Câmara discutia a possibilidade de anistiar o caixa dois, o Senado debatia a abertura de um novo prazo para a repatriação de recursos depositados no exterior não declarados à Receita Federal.
O projeto, de autoria de Romero Jucá (PMDB-RR), foi aprovado, por 47 votos a 11, no que parecia ser uma derrota do senador. Jucá desejava estender a adesão ao programa a familiares de políticos, mas os trechos que explicitavam esse mecanismo acabaram suprimidos por exigência da oposição.
Nesta quinta-feira 24, a oposição percebeu que tinha caído em uma armação do senador. O novo texto, na realidade, deixa aberta a possibilidade de parentes de políticos legalizarem recursos não declarados no exterior, eventualmente até mesmo dinheiro proveniente de corrupção.
Em retrospecto, é fácil entender a jogada de Jucá. O projeto de lei em discussão no Senado altera a lei 13.254, aprovado em janeiro e sancionada por Dilma Rousseff. O artigo 11 da lei é explícito em proibir a adesão de parentes ao programa de repatriação.
“Os efeitos desta Lei não serão aplicados aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta Lei.”
No projeto substitutivo apresentado por Jucá, o artigo 11 é alterado. A cabeça do artigo afirma que políticos em cargos eletivos não podem aderir ao programa e os parágrafos 1º e 2º, como mostra a imagem abaixo, explicitam os mecanismos que seriam usados pelos parentes dos políticos para entrar no programa de repatriação.
Durante os debates na quinta-feira, Jucá cedeu à pressão da oposição e removeu os dois parágrafos, apelidados de “Emenda Claudia Cruz”, em alusão à mulher do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A remoção fez com que a aprovação do texto fosse noticiada como uma derrota de Jucá.
Ocorre que a remoção dos parágrafos manteve a nova versão da abertura do artigo 11, que deixou de ter a ressalva proibindo que “cônjuge e parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção” participassem da repatriação.
Assim, sem a menção explícita à proibição, os familiares dos políticos poderiam entrar no programa. Nesta quinta-feira 24, Jucá se mostrou satisfeito. “Nós atendemos a oposição e retiramos os dois parágrafos pedidos. Mas o que está escrito está escrito”, afirmou Jucá ao jornal Valor Econômico, “com ironia”, segundo a publicação.
Ex-líder dos governos FHC, Lula e Dilma Rousseff, Jucá é considerado um dos políticos mais “hábeis” de Brasília. Conseguiu passar incólume por várias situações constrangedoras, como uma que ocorreu durante as eleições de 2010.
Em outubro daquele ano, um empresário que havia acabado de deixar o escritório de Jucá em Boa Vista (RR) jogou pela janela de seu carro uma mala com 100 mil reais quando percebeu que estava sendo perseguido pela Polícia Federal. Jucá negou envolvimento no caso.
Neste ano, o senador teve menos sorte. Nomeado ministro do Planejamento por Michel Temer após a derrubada de Dilma Rousseff, Jucá ficou menos de duas semanas no cargo. Caiu após a divulgação do áudio em que afirmava que o impeachment seria parte de estratégia para conter a Operação Lava Jato. O ostracismo durou pouco. No último dia 17, foi oficializado como líder do governo Temer.
Diante da “pegadinha”, a oposição vai recorrer à Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado. Antes de ir à sanção de Temer, o projeto ainda precisa passar pela Câmara.