As demissões provocadas pelo corte de gastos nas empresas também podem ser prejudiciais para os funcionários que ficam, pois esses, muitas vezes, acabam acumulando funções, tornando-se os chamados trabalhadores-polvo. Isso está ocorrendo em diversos segmentos, no comércio, serviços e indústria. Sandro Vidotto, diretor de relações institucionais da regional Sorocaba da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e professor da Esamc Sorocaba, afirma que o funcionário multitarefa, mais que tendência, é uma necessidade em tempos de crise, mas isso deve ser uma alternativa temporária, alerta.
Implantar um funcionário-polvo deve ser emergencial e é preciso trabalhar para por fim a esta situação, pois, destaca Vidotto, as pessoas podem aguentar por um tempo uma carga maior de trabalho ou acrescentar mais atividades ao que já fazia, mas a manutenção dessa prática por muito tempo, irá levar a uma perda na qualidade e na produtividade, já que as tarefas precisam ser feitas apressadamente e, como consequência, terão menor nível de atenção. “Além disso, cedo ou tarde o estresse e outros problemas de saúde darão as caras”, afirma.
Um pouco de estresse, diz o especialista em RH, estimula a produtividade, aumenta a adrenalina, a atenção e a capacidade de realizar tarefas. No entanto, quando ele se torna contínuo, irá aparecer a insônia e com ela a irritabilidade, o cansaço e perda de atenção, que dependendo do nível de risco da atividade que a pessoa desempenha, certamente serão fortes antecedentes para acidentes de trabalho. Se essa rotina estressante continuar, lembra Vidotto, haverá manifestações físicas como gastrite, úlceras, infecções, dores de cabeça, pressão alta e até mesmo o derrame e o enfarte — situações que levarão ao afastamento para cuidar da saúde.
De acordo com Leandro Soares, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), para combater a criação de funcionários-polvo, o sindicato trabalha de quatro maneiras: estimula a denúncia dessas situações, negocia soluções com a empresa, organiza mobilizações de trabalhadores e entra com ações judiciais. “No caso dos processos trabalhistas, sempre que procedentes o desvio ou acúmulo de funções, temos obtido resultados positivos para o trabalhador.” Além de afetar a saúde e a integridade física do funcionário, o acúmulo de funções, destaca Soares, também impede a criação de novos postos de trabalho.
Segundo o Soares, recentemente um metalúrgico venceu uma ação contra a empresa que trabalhava por ser um funcionário-polvo. Ele conta que o homem operava uma empilhadeira sem estar treinado e habilitado para esse fim. “Ele trabalhava no almoxarifado de uma empresa, controlando entrada e saída de materiais. Com o enxugamento do quadro de funcionários, foi obrigado a operar empilhadeira para transportar e organizar produtos pesados.”
No cenário atual, segundo o representante do sindicato, o trabalhador é cobrado por resultados como se, sozinho, equivalesse a duas ou três pessoas; e muitas vezes exerce tarefas sem estar treinado para isso e sem ter oportunidade de se habilitar para essa outra função. Além disso, não recebe remuneração equivalente às funções que exerce. “Não acreditamos que a multifuncionalidade, nas condições impostas pela crise no emprego, torne o trabalhador um profissional mais completo”, afirma Soares.
Sindicatos do comércio divergem
No setor comercial, a presença de trabalhadores-polvo seria comum. Em uma loja, por exemplo, o mesmo funcionário pode ser responsável pelas compras, controle do caixa e também pelo atendimento. Segundo Ruy Queiroz de Amorim, presidente do Sindicato dos Comerciários de Sorocaba e Região (Sincomerciários), denúncias nesse segmento são feitas com frequência. Já o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Sorocaba (Sincomércio), Fernando Soranz, afirma que a prática de atribuir diversas atividades ao mesmo empregado não ocorre.
Para Soranz, do sindicato patronal, a informação de que trabalhadores acumulam funções por conta das demissões de outros funcionários, não passa de especulação. “Chequei os dados do sindicato e não temos nenhum caso desse tipo”, afirma. Segundo ele, no comércio varejista as empresas têm os departamentos administrativos e de vendas e os empregados atuam conforme a área para a qual foram contratados.
Os comércios de menor porte, afirma Amorim, são os que mais cometem irregularidades, entre elas o desvio de função e carga horária excessiva. O Sincomerciários, quando é informado sobre esse tipo de prática primeiro tenta o diálogo com a empresa, diz Amorim. “No caso de grandes redes de magazine, nós já encaminhamos até para o Ministério Público.” O presidente do Sincomerciários afirma que a crise não pode ser usada como pretexto para expor o trabalhador a duplas ou triplas funções.
Relatos
Jaqueline arrumou o primeiro emprego há dois anos em um pequeno mercado na região oeste de Sorocaba e quando entrou na empresa tinha mais cinco colegas de trabalho. Hoje divide as tarefas apenas com mais duas pessoas e diz se sentir pressionada. “Nem podemos reclamar, pois do jeito que está eles arrumam outra pessoa para colocar no meu lugar rapidamente”, avalia. Além de trabalhar no caixa, a jovem também atende no balcão de frios e faz reposição de produtos. Quando é necessário, ela também atende os entregadores de mercadoria.
Cansado de acumular funções e trabalhar até 14 horas por dia, Felipe pediu demissão da serralheria que atuava, na zona norte de Sorocaba, e hoje pega alguns serviços para fazer em casa. “Além de fazer os portões ou outras encomendas, eu também tinha que fazer a entrega, muitas vezes sozinho, e precisava carregar muito peso e comecei a sentir muitas dores nos braços e nas costas”, reclama. A renda, conta, diminuiu cerca de 20%, mas hoje ele afirma que sua saúde está melhor e tem mais qualidade de vida.
Os trabalhadores entrevistados tiveram os nomes alterados para preservar suas identidades.